sábado, 2 de outubro de 2010

Filho não se Vende

“Denari, você não quer vender o seu carrinho? É um gol ‘nove meia’ ou ‘nove sete?” perguntou um paciente, do comércio de automóveis. “É um 96 lançado em 97. Comprei zero, e hoje, passados treze anos, está só com 57 mil quilômetros. Eu pouco viajo, seu uso maior é daqui para casa e vice-versa”.

“Noventa e seis? está velho”, e balançou a cabeça igual um indiano da novela das oito da Globo (Caminho das Índias), que começa às nove.
Fiquei p.... Depois que fiz setenta e sete anos, avaliar o potencial de uma pessoa pela sua idade, eu acho uma ignorância imensurável.

“Você não quer trocar por um novo, mais moderno?”.
“Nem pensar, esse carrinho é um filho meu, carreguei-o da maternidade, ou melhor, da concessionária, lindinho de morrer; daí em diante, nestes treze anos tem sido um amor eterno entre nós dois”, encerrei o assunto sorrindo.
Mas, como bom vendedor, ele continuou.

“Como seu amigo vou lhe dar um conselho, ou mais, vou lhe contar um segredo. No dia que resolver vendê-lo, não leve à revendedora, para usar como entrada, elas não darão nada por ele. Faz parte da técnica de venda: a gente mostra todos os predicados que o novo carro tem, que serão muitos, e que o seu não tem; vai esperando nascer seu entusiasmo pelo carro novo, e depois valoriza o seu, bem por baixo. É a técnica, esperar a hora do “cara” ficar apaixonado pelo novo e vergonha do velho. Dali, é negocio fechado”, disse sorrindo ironicamente, o ‘dono do mundo’ e continuou. “Quando quiser trocar de carro, deixe esse 96, numa rua da periferia abandonado, com alarme desligado, que logo vai aparecer gente interessada nele. Carro dessa idade é bom para desmanche”.

Minha pressão naquela hora que é de 15 por 9, devia estar 40 por 60. Esse ‘cara’, além de tudo, vem querendo esquartejar o meu filhote, em troca de dinheiro? Tratei logo de mostrar-lhe o tamanho da agulha da seringa que eu tinha nas mãos.

Voltando ao consultório, após o almoço, não é que o ‘outro’ Nilson Denari, aquele que eu odeio, e que um analista disse que eu tenho tatuado de mim, quer queira quer não queira, me fez esquecer de ligar o alarme do carro, coisa que faço sempre automaticamente e, tranquilamente fui trabalhar.
Mas, como Deus é pai e não é padrasto, no final do expediente, já sozinho na clínica, eu fechava as janelas. Chovia bastante e debaixo do gelado temporal, no escuro, completamente só, lá estava ele, meu querido e leal Golzinho, me esperando, como sempre fez nos nossos deliciosos 13 anos. Morrendo de vergonha, escondido pelas paredes, tirei a chave do bolso e bem depressa acionei o alarme.

Desci correndo pelo meio da chuva, bênçãos do céu, para nos abraçarmos, feito pai e filho, eu implorando o seu perdão. Como bom menino, ele ‘disse’ não ter reparado a minha falta com o alarme e roncou bem alto, acelerando logo a nossa volta para casa.
FILHO NÃO SE VENDE.

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