sábado, 11 de dezembro de 2010

O pastel de palmito - uma luz

Sempre gostei de pastel, em especial, de palmito e de preferência, amanhecido. Se for com café com leite, então, muito melhor, e não é só pelo sabor, mas também pelas lembranças.

Na minha infância, aos domingos, no café da manhã, havia pastel de palmito, que meus pais compravam para o Walter e para mim, após irem ao cinema, no sábado à noite. Era uma festa, um banquete, mastigar aquele pastel de palmito amanhecido junto com o café com leite quentinho, que a minha mãe punha na nossa frente. Não fazia mal se tivesse aquela placa de nata flutuando no leite, a gente misturava tudo com a colher.

Eu começava o banquete, comendo o pastel pelas bordas, bem devagarzinho, para demorar bastante até chegar à parte mais gostosa - o recheio. Aí, era o clímax: o recheio, pedaços de palmito saboreados com o restinho de café com leite e o restinho de açúcar que ficava no fundo da xícara. Tudo isso levava quase meia hora.

Esse é o motivo porque gosto de pastel de palmito, mesmo que seja, hoje, com o copo de garapa, que o japonês me serve.

Aconteceu que numa tarde de sexta-feira, na calçada em frente à Realejo Livros, minha esposa Ewa e eu, apreciávamos Débora e Canduta executando os acordes maravilhosos dos chorinhos brasileiros. De repente, olhei um pouco à esquerda e meu olhar, como se fosse raios de luz, se fixou em uma travessa de pastéis, linda de morrer. “Só podia ser de palmito”, pensei. Dali por diante eram olhos um pouco na flauta e violão e um pouco nos pastéis.

Quando terminou a apresentação, fomos direto para a pastelaria e nos acomodamos em dois banquinhos. Como havia só uma senhora servindo o balcão e este, de repente, ficou lotado, ela se dirigiu à uma escada e chamou por alguém, que logo desceu correndo. Era uma jovem japonesinha de uns 12 anos mais ou menos que, rapidamente, começou a atender os pedidos.

Quando chegou a nossa vez, observei a ansiedade e alegria com que ela desempenhava sua tarefa. A cada pedido, quando percebia que correspondia à expectativa do cliente, era uma festa. Corria daqui e dali, como se estivesse dançando, bailando. Seus olhinhos brilhavam questionando-nos se estava tudo bem, tudo gostoso. Acenávamos com a cabeça e lá saía ela bailando.

Ao final, paguei a conta de nove reais, dando uma nota de dez. Ela foi até a mãe que estava no caixa, esperou o troco e colocou uma moeda à minha frente. Fiz com a cabeça que era dela. Ela saiu sem tocar na moeda e continuou atendendo os outros clientes. Ao passar por mim, novamente e ver que eu ainda estava lá, olhou para mim e eu olhei para a moeda. Continuou sem tocá-la. Eu reafirmei que era dela e a empurrei em sua direção.
“É sua”, eu disse. E sem tirar os olhos da japonesinha fui me afastando. Ela lentamente pegou a moeda, correu e deu para sua mãe que a colocou na gaveta. Feito isso, lá foi ela continuar a sua dança.

Eu fiquei arrasado. Ela estava fazendo aquilo com tanta alegria, por razões tão puras e eu deturpei pagando com dinheiro, o sorriso, o carinho, a atenção e o exemplo que ela nos dera.

Maldito dinheiro, maldito capitalismo, pensei. Fiquei uma caca, se ainda tivesse bonde na Praça Independência eu me atirava debaixo dele.
Mas..... eu comentava muito esse assunto na época, e hoje já passados mais de dois anos, às vezes, a cena volta à minha mente, como tivesse acontecido ontem.

Esta semana eu descobrir o porque disso tudo: eu estou neste caso até o pescoço. Vamos lá.

Na minha infância, eu acordava ao som do barulho que meu pai, dentista, fazia na sua bancada de prótese, que ficava dividindo o quarto onde eu e o meu irmão Walter, dormíamos. A riqueza daqueles instantes, para mim, fez com que já nos meus treze para catorze anos eu já ajudasse meu pai nos trabalhos protéticos. Tempos depois, mesmo não morando mais na mesma casa já que o número de filhos aumentara, eu muitas vezes passava minhas tardes naquele laboratório de prótese.

No último ano da faculdade, quando apresentei ao digníssimo e muito famoso, futuro paraninfo, professor de prótese, Dr. Guilherme Simões Gomes, uma montagem de dentes em uma dentadura que eu havia feito, ele com os olhos saindo fogo, perguntou: “Quem fez isso para você, menino?”.

Ao saber da minha história, após outros trabalhos feitos, para minha surpresa e paura, ele me convidou para estagiar com ele no seu consultório. E lá fui eu repetindo o que eu fazia com meu pai, agora com um dos mestres maiores da escola, encerrando com chave de ouro minha graduação de cirurgião-dentista. Tinha a graça divina de freqüentar não só o seu laboratório, com também, de tempos em tempos, o privilégio de auxiliá-lo na sala clínica. Revivia meu pai.

O que isso tem haver com o pastel da japonesa? Calma.

Não é que no nosso último dia, ele e sua esposa Dª. Clarice levaram-me até o portão, despejando sobre mim doces palavras, que eu, ruborizado tentava agradecer. E foi então que em um rápido movimento, o Prof. Guilherme colocou no meu bolso algo como, pensei um pedaço de papel, mas não: era dinheiro. Com a nota entre os dedos, sem entender o que estava acontecendo, veio o professor, sorriu, empurrou minha mão para dentro do bolso, me abraçou e disse: ”É para você, menino, muito, muito, meu muito obrigado”.

Saí pela rua, sem saber o caminho de casa, me perguntando a razão do dinheiro, o por que dele? Eu já me sentia muito rico, de uma riqueza muito mais rica, que o dinheiro só não compra: eu tinha aprendido mais um rico modo de começar a caminhar na profissão que eu amava. Eu me sentia orgulhoso e invejado por colegas por tudo que aconteceu comigo junto com o mestre Guilherme. Que diabo, não havia dinheiro que pagasse os momentos que estava vivendo. Mais do que de pressa me livrei daquele dinheiro dividindo pizza com amigos. Foi uma festança, sendo eu o mais alegre de todos, pois me livrei daquela praga, ou melhor, daquela mágoa.

Acho que foi o mesmo que fez a aquela japonesinha. Ela também estava pronta para este mundo.

Um comentário:

  1. Estive a ver e ler algumas coisas, não li muito, porque espero voltar mais algumas vezes, mas deu para ver a sua dedicação e sempre a prendemos ao ler blogs como o seu.
    Gostei de tudo o que vi e li.
    Vim também desejar muita paz,saúde e grandes vitórias.
    São os votos do Peregrino E Servo.
    Abraço.

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